15/Jul
Garantias e execução do bem alienado fiduciariamente
A promulgação da Lei nº 14.711/23, conhecida como Marco Legal das Garantias, em 30 de outubro de 2023, trouxe uma solução significativa para um dilema recorrente na alienação fiduciária. Esta nova legislação alterou a dinâmica existente, permitindo que o credor fiduciário persiga a diferença restante da dívida, caso o valor obtido no leilão do bem alienado fiduciariamente não seja suficiente para cobrir o montante devido.
Mudança de Perspectiva
Antes dessa mudança legislativa, a Lei nº 9.514/97 previa que a dívida garantida por alienação fiduciária seria extinta após o credor fiduciário obter o produto do leilão do bem alienado. Se o valor do bem fosse inferior à dívida, o credor não poderia buscar a diferença remanescente. Essa ideia de exoneração do devedor após o leilão, mesmo sem a quitação total da dívida, tem suas raízes na Lei nº 5.741/1971, que estabelecia procedimentos específicos para a execução judicial do crédito hipotecário habitacional vinculado ao Sistema Financeiro Habitacional.
Contexto Histórico e Econômico
A regra de exoneração foi criada num contexto econômico peculiar dos anos 70, onde os devedores, buscando crédito para aquisição de imóveis residenciais, enfrentavam desvantagens significativas devido aos altos índices de inflação da época. Essa conjuntura justificava a extinção da dívida no financiamento imobiliário residencial, pois o valor do bem geralmente correspondia ao valor da dívida, considerando a valorização dos imóveis ao longo do tempo.
Nova Realidade Jurídica
Fora do contexto inflacionário em que essa regra foi estabelecida, a extinção da dívida não se justifica da mesma maneira, especialmente no financiamento imobiliário para habitação ou aquisição do próprio imóvel dado em garantia. O Código Civil de 2002, ao regulamentar a propriedade fiduciária, o penhor e a hipoteca, previu que a garantia real se extingue, mas a obrigação permanece até sua completa satisfação.
O Marco Legal das Garantias, portanto, harmoniza-se com essa visão, permitindo que o credor fiduciário busque a diferença remanescente da dívida após a execução do bem dado em garantia, refletindo uma abordagem mais adequada às realidades econômicas e jurídicas atuais.
Adequação da Alienação Fiduciária aos Demais Contratos
Para assegurar a possibilidade de o credor fiduciário executar o valor integral da dívida, o Superior Tribunal de Justiça (STJ) confirmou, no RESP nº 1.965.973/SP, uma alternativa: ao invés de proceder com a excussão extrajudicial da garantia, o credor poderia promover a execução judicial. Dessa forma, ele poderia buscar a satisfação integral do crédito por meio da expropriação de outros bens do devedor.
Embora a confirmação do STJ tenha representado um avanço em termos de segurança, não resolveu completamente a questão. A execução judicial, embora permitisse a perseguição integral da dívida, não oferecia o procedimento facilitado da excussão extrajudicial.
Risco de Frustração dos Leilões Extrajudiciais
Apesar do avanço legislativo, o credor fiduciário ainda enfrenta riscos significativos. Em caso de frustração dos dois leilões extrajudiciais para venda do bem dado em garantia, o artigo 27, §5º-A, da Lei nº 9.514/97, alterado pelo Marco Legal das Garantias, faz referência ao §4º do artigo anterior (relativo aos contratos de aquisição de imóveis residenciais).
Mesmo em contratos que não visam a aquisição ou construção de imóveis para fins de habitação, a lei indica que a frustração dos leilões extrajudiciais resulta na livre disponibilidade do bem ao credor fiduciário e na exoneração do devedor quanto ao restante da dívida. Quando a dívida é garantida de diversas formas e há alienação fiduciária de um bem de valor consideravelmente inferior ao montante total devido, a excussão extrajudicial apresenta altos riscos ao credor, não compensando a celeridade ou menor onerosidade da via em comparação à execução judicial.
Na execução judicial, o lance mínimo para os leilões é baseado no valor do bem leiloado, enquanto na excussão extrajudicial o lance mínimo para o segundo leilão deve obedecer ao valor integral da dívida. Isso diminui significativamente as chances de que a alienação se concretize se o valor da dívida for superior ao valor do bem. O credor não se sente atraído a correr o risco de ter que se contentar com um bem de baixa liquidez e de valor inferior ao da operação contratada.